segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Grupo quer comprar Butantan, diz cientista

LAURA CAPRIGLIONE
Folha de São Paulo



Multinacional Sanofi ofereceu R$ 4,5 bi pelo setor de vacinas do instituto, afirma Isaías Raw; empresa e governo negam


Segundo pesquisador, operação trará riscos à saúde pública, pois setor privado só está "interessado no lucro"



Na última sexta-feira, funcionários de alto escalão do Instituto Butantan mencionavam uma cifra que corresponderia ao preço oferecido pela empresa Sanofi, gigante multinacional de medicamentos, para comprar a divisão bioindustrial do Instituto Butantan: R$ 4,5 bilhões.
Para efeito de comparação, a privatização da Telesp, em 1998, saiu por R$ 5,8 bilhões, em dinheiro da época.
A divisão em questão é cobiçada. Nela se desenvolvem e são fabricados milhões de doses de vacinas, 80% de toda a produção nacional destinada a humanos, utilizadas pelo Ministério da Saúde.
Ontem, um dos mais respeitados cientistas brasileiros, o médico Isaías Raw, 84, publicou, na seção "Tendências e Debates" da Folha, artigo em que denunciava a tentativa da empresa Sanofi de comprar parte do Butantan.
Governo do Estado, Sanofi e Butantan negam qualquer oferta, ou mesmo conversas no sentido de privatização.
Professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Raw chefiou o Instituto Butantan nos anos 1990. Quando se aposentou no serviço público, assumiu a presidência da Fundação Butantan, braço operacional do instituto.
Nesses cargos, foi um dos principais responsáveis pela transformação do Butantan, famoso pelos estudos de venenos de serpentes, em centro de pesquisas e fabricação de vacinas. Ainda hoje, Raw é figura-chave no Butantan: preside o Conselho Técnico Científico da fundação.
AUTOSSUFICIÊNCIA
O setor de vacinas do Butantan cresceu como parte do programa de autossuficiência nacional em imunológicos, política acelerada principalmente após o surto de gripe aviária, em 2003.
Episódio que trouxe à tona o temor de uma epidemia mundial de proporções catastróficas, como foi a gripe espanhola, no começo do século 20. Naquela época morreram 50 milhões de pessoas.
O instituto estadual paulista, ao longo dos anos, desenvolveu tecnologias de vacinas contra difteria, coqueluche, tétano, hepatite B e raiva.
Também foi lá que se operou o milagre da multiplicação das vacinas contra a gripe suína, com o desenvolvimento de um adjuvante, que permitiu multiplicar por quatro o poder de cada dose.
"Nós desenvolvemos a tecnologia -que não é da Sanofi- e, com a mesma fábrica de 20 milhões de doses, conseguimos produzir quatro vezes mais", diz Raw.
"O problema é que essas empresas não estão interessadas na saúde pública, mas sim no lucro -como acontece com um fabricante de caixões, alimentos ou armas. E eles não podem aceitar que produzamos uma vacina para dengue a R$ 2 a dose. Eles querem R$ 20."
O Butantan fatura R$ 200 milhões por ano com a venda de vacinas. A expectativa é que esse valor suba para R$ 500 milhões até 2014, com a chegada de novos produtos.

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