quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Carta sobre a Carta


Carmen Mascarenhas

Aguardei um tempo antes de me manifestar, tentando amadurecer minhas posições e ouvir outras manifestações e concluí que Não quero viver sem razão!
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A 14ª Conferência Nacional de Saúde não teve início no dia 30 de dezembro de 2011. Para mim, Conselheira Municipal de Saúde de São Paulo, representante do Movimento Popular de Saúde do Centro, a Conferência se iniciou em 2008, quando fomos impedidos de tomar posse pelo gestor municipal de saúde que tentou impugnar a eleição dos novos representantes do Conselho Municipal de Saúde. O Ministério Público do Estado, na figura da querida Dra. Anna Trotta,  baseada na legislação, considerou que não caberia  ao  Sr. Secretário Municipal de  Saúde  impugnar um pleito, pois os recursos que chegam ao Conselho devem ser analisados pelos movimentos, entidades e  demais  representações que compõem o CMS/SP.
No período de 2008 a 2010 sofremos várias investidas do Secretário de Saúde, que nunca compareceu às reuniões do Conselho e através de portaria criou a Assessoria de Gestão Participativa para representá-lo nas reuniões do Conselho, coordenar suas reuniões, fazer a interlocução entre os conselhos de base e o conselho municipal. Na verdade o objetivo era colocar os conselheiros de base contra o conselho  municipal, de forma a legitimarem uma Conferência na qual os delegados foram  os conselheiros gestores de saúde, excluindo os movimentos e suas representações. O resultado desta Conferência foi a aprovação da política de saúde vigente no município e as Organizações Sociais como modelo de gestão.
Em  2010 o CMS/SP declarou a nulidade da 15ª Conferência Municipal de Saúde por orientação do Ministério Público Estadual, que em 2011 recomendou ao Sr. Secretário Municipal de Saúde e ao Prefeito Gilberto Kassab que as próximas Conferências deveriam ser realizadas respeitando a legislação.
A 14ª Conferência Nacional de Saúde teve sequencia, quando foi chamada a Etapa Municipal em 2011. Mais uma vez o CMS/SP sofreu vários golpes, passando a ter  o acompanhamento de representantes do Conselho Estadual, do Conselho Nacional e do Ministério da Saúde, para conseguir enfim realizar sua Conferência.
Apesar de muita desorganização observada no desencontro de informações, as propostas aprovadas para a Conferência Estadual comprovaram a maturidade e empoderamento (tornar-se sujeito do processo) dos delegados. Isto foi fortalecido durante a Conferência Estadual com a qualidade das propostas aprovadas para a Nacional e reafirmadas na Carta de Serra Negra.
Neste período passamos por vários debates sobre  Financiamento, Modelos de Gestão, Controle Social no  SUS, realizados pelo mandato do Vereador Carlos Neder,  pela   Associação Paulista de Saúde Pública e por último, no dia 25 de novembro, durante o 12º Encontro da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo.
Nós delegados da cidade de São Paulo participamos da 14ª Conferência Nacional de Saúde conscientes do SUS que queríamos e da certeza de que nossa tarefa seria derrubar qualquer proposta que não estivesse em consonância com o afirmado nas  Caravanas do SUS e na Carta de Serra Negra.
Não precisamos de muito trabalho pois os delegados do Brasil inteiro presentes na Conferência se solidarizaram neste desejo, expresso na Plenária Final da  14ª Conferência Nacional de Saúde, na qualidade das propostas aprovadas.
Fomos imbatíveis, fomos uníssonos, fomos fieis aos nossos princípios. O resultado deu a  todos nós a certeza que a luta valeu a pena.
Mas no final da Conferência, a 20 minutos de seu término, quando orgulhosos nos preparávamos para cantar o hino, uma certa Carta da 14ª Conferência foi apresentada  à Plenária  pelo Sr. Ministro Alexandre Padilha.
Naquele momento muitos de nós se sentiram traídos. Como num pesadelo, voltou à minha mente tudo que havíamos sofrido em São Paulo para realizarmos nossa Conferência ,assolados pela arbitrariedade do Gestor municipal de saúde. Lembrei-me  também do livro “A revolução dos Bichos”, de George Orwell e tive a certeza de que ainda vivemos sob os que insistem em dominar, sem consideração à ética e às leis.
Momentos antes, eu havia sido informada por companheiros de luta, que a Carta da 14ª Conferência Nacional, seria lida pelo Ministro, mesmo tendo sido reprovada em alguns pontos. Recebi uma cópia e indignada  com o que li, procurei a sala onde algumas pessoas discutiam os acertos finais. Minha indignação tornou-se maior, quando constatei que não haveria acordo. Disse a eles que voltaria para a  Plenária e convocaria os Movimentos a impedir a leitura da  Carta construída e assinada por grupos não autorizados a responder por nós. Desorientada, voltei ao auditório e chamei alguns companheiros para informar-lhes sobre o que estava acontecendo. Era tarde demais, pois as vaias iniciaram logo que o Ministro citou a tal carta.
Uni-me aos que vaiavam e gritavam.
Muitos companheiros solicitaram uma questão de ordem, porém ninguém conseguiu defender ou criticar a carta.
Assistimos incrédulos à aprovação de um documento sedutor e bajulador, que em suas entrelinhas aprovava o que durante cinco dias reprovamos.
Nós só nos prestamos para legitimar o que já foi decidido?
Se assim é para que gastar dinheiro público com Conferências que não efetivam o que é deliberado?
Aproveito o momento para agradecer a Paulo Capel, pelo artigo claro e direto por ele escrito, que lavou minha alma.
Agradeço também ao Conselheiro Nacional, Francisco Junior pelo seu posicionamento diante do que aconteceu, expressando com clareza meus sentimentos.
Obrigada ao vereador Carlos Neder por dar-nos a possibilidade de trocarmos nossas aflições, mesmo nos posicionando de formas diferentes. Prefiro acreditar que o objetivo comum é a LUTA PELO SUS.



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