sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Docente da FSP USP comenta Projeto aprovado no Senado que define gastos das três esferas de governo com saúde

Fonte: FSP/USP


Veja depoimento do Professor de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, Doutor Áquilas Mendes, sobre Emenda Constitucional 29 (EC 29), aprovada no último dia sete, no Senado, que define qual porcentagem obrigatória do orçamento cada esfera de governo deve  destinar à saúde. A proposta do ex-senador Tião Viana (PT-AC), que estipulava investimento de 10% das receitas correntes brutas da União para a área, foi derrubada por 70 votos a um.

Depoimento:
“A saúde universal nesse país obteve mais uma grande derrota no financiamento de suas ações e serviços com o que foi aprovado da regulamentação Emenda Constitucional 29 (EC 29) no Senado, em 7 de dezembro de 2011. Comemoraremos o ano de 2012 com nenhum recurso novo, ou seja, mais "uma nova" para a coleção de embates da saúde, que já é grande.

A primeira tensão foi 1993 quando foi retirada a fonte da Contribuição Empregado e Empregador para o conjunto das áreas da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social), sendo que essa fonte passou a ser exclusiva da previdência. De lá para cá, todos os anos, a saúde sofreu embates no seu financiamento.

O projeto que se encontrava no Senado – PLS/127/2007 e não foi aprovado na versão original - tinha o compromisso de inserir mais recursos para a saúde, baseando a aplicação da União em 10%, no mínimo, da Receita Corrente Bruta (RCB) -  sem inclusão das receitas de capital e das decorrentes de operação de crédito. Tal projeto, se aprovado, acrescentariam para o orçamento federal de 2011 do Ministério da Saúde o correspondente a R$ 32,5 bilhões. Não resta dúvida que essa seria a medida mais próxima de garantir um “caminho” para a resolução do financiamento da saúde universal. Bem, como dissemos: esse projeto foi rejeitado e se permanece com insuficientes recursos para esse ano, apenas com os R$ 71 bilhões, definidos na Lei Orçamentária Anual do MS para esse ano, o que significa 1,8% do PIB. Tal comprometimento com o PIB não é diferente desde 1995. A saúde universal fica como antes, sem novos recursos.

Apesar do avanço que significou a criação do SUS, o Brasil está longe de dedicar a mesma atenção à saúde pública que os demais países que detém um sistema público e universal. Para atestar essa afirmação, basta lembrar que, em 2009, enquanto o SUS gastou 4,0% do PIB (MS, governos estaduais e municipais), o gasto público em saúde nos países mencionados anteriormente foi, em média, 6,7% (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE –WHO, 2008). Portanto, necessitaríamos de 2,7% a mais, o que corresponderia a cerca de R$ 92 bilhões a mais em 2011. A saúde universal no Brasil não conseguiu nada! Ou melhor, os arautos do grande capital sob a dominância financeira e sua aliança com o governo federal não permitiram!

Por sua vez, o mesmo governo conseguiu aprovar no Senado, em 8/12/2011, o projeto da Desvinculação das Receitas da União (DRU) que lhe permite retirar 20% dos recursos do Orçamento da Seguridade Social (que compreende as fontes de recursos para a saúde, previdência e assistência social) para, entre outras finalidades, pagar juros da dívida aos rentistas do capital financeiro e manter o superávit primário. A DRU atual vence em 31 de dezembro, e a proposta aprovada no Senado renovará a sua vigência até 2015, tendo sido criada em 1994, sob o nome de Fundo Social de Emergência e depois Fundo Estabilização Fiscal (1997). Já em 2000, seu nome ficou fixo até hoje: DRU.

O governo Dilma considera a votação mais importante do ano, na medida em que no argumento oficial, esses recursos da DRU contribuirão para a defesa da crise econômica. O problema é que o argumento é frágil! Todos sabem que, em momento de crise, são as políticas de direitos sociais que deveriam ser fortalecidas e não o contrário.

Como pesquisador no tema do financiamento, há um tempo, a nossa defesa para a melhoria do financiamento da saúde universal tem sido pelo fim da DRU e pela instituição da Contribuição Social para as Grandes Fortunas para a Seguridade Social. Alguns países da Europa nessa crise acabam de adotar os impostos sobre as grandes fortunas para enfrentarem a crise. Além disso, a defesa por mais recursos começaria pelo término da DRU, devendo ser seguida por maiores compromissos de recursos para a saúde universal, tais como a elevação da tributação sob o grande capital portador de juros (o capital financeiro). Para se ter ideia dessa tributação, defendemos a regulamentação da Contribuição Social sobre as Grandes Fortunas, como fonte para a Seguridade Social. Além disso, apresentamos outras propostas para a 14ª Conferência Nacional de Saúde, realizada no final de novembro:
  • Ampliar a alíquota da CSLL para instituições financeiras (atual 9%);
  • Aprofundar mecanismos de tributação para a esfera financeira (com o fim da CPMF e o alargamento da esfera financeira) – criar um IGMF – movimentação superior a R$ 2 milhões;
  • Tributar lucros remetidos ao exterior por parte de multinacionais (bancos e empresas) – legislação atual isentos.

Todas essas propostas são formuladas para controlar o processo de valorização do capital, que apresenta, nessa fase contemporânea, o retorno do capital portador de juros no centro das determinações da reprodução do capital, sendo que a distinção entre capital industrial, comercial e a juros ficou restrito à teoria, pois na prática, houve um crescente entrelaçamento entre eles.
É preciso que a sociedade fique alerta para esses grandes desafios de garantir uma saúde universal nesse País. É importante apresentarmos propostas contra o Grande Capital e ainda reconhecer que o Orçamento da Seguridade Social é superavitário há anos. Para se ter uma idéia, em 2010 seu superávit alcançou R$ 58,1 bilhões, sendo retirado pela DRU R$ 45,9 bilhões. Não é possível que a sociedade aceite a manutenção da DRU. É preciso continuar com uma grande campanha para rejeitá-la!“

O Prof. Dr. Áquilas Nogueira Mendes possui doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (2005) e pós-graduação em Política e Relações Internacionais pela Lancaster University da Inglaterra (1984). Atualmente é professor doutor de economia da saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica-SP e da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado, ex-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) (2007-2010). Autor de vários livros e artigos e com experiência de consultoria e pesquisa na área de Economia Social, com ênfase nos seguintes temas: economia da saúde, financiamento da saude e do SUS, previdência social, assistência social, finanças públicas e economia e desenvolvimento.

Mais informações ou contatos com o Prof. Áquilas, pelo e-mail: aquilasn@uol.com.br ou pelo tel.: 3061-7980. 

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