segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Veja a decisão do TJ-SP que proíbe a destinação de leitos públicos a planos de saúde


Na última quinta-feira, 29, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o recurso que o governo do Estado moveu contra a decisão que proibia a destinação de 25% dos leitos de hospitais públicos a planos de saúde.
Veja o despacho:

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Despacho
Agravo de Instrumento Processo nº 0241892-22.2011.8.26.0000
Relator(a): JOSÉ LUIZ GERMANO
Órgão Julgador: 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO
Entendo que deve ser mantida,
por enquanto, a r. decisão recorrida.
A razão de ser da Lei estadual
n. 1.131/10 e do decreto estadual n. 57.108, de
06 de julho de 2011 é permitir que os planos de
saúde sejam obrigados a ressarcir pelo
atendimento prestado aos seus clientes pelos
serviços públicos de saúde.
Ocorre que recentemente, o
então Governador, vetou os dispositivos que
permitiam que as organizações sociais da
saúde fizessem atendimento particular aos
clientes dos planos, mediante pagamento.

Na ocasião, o Governador
apresentou razões jurídicas para o veto, que
são repetidas agora pelo Ministério Público:
já existem leis que permitem que os gastos
com os serviços públicos de saúde com os
usuários dos planos particulares sejam
cobrados das administradoras de planos de
saúde. Essas leis me parecem especialmente
justas.
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De fato, é iníquo que as
empresas de medicina de grupo recebam as
prestações de seus clientes, mas na hora dos
gastos, em especial os mais elevados (alta
complexidade), a conta seja debitada ao setor
público, que é mantido com o dinheiro dos
contribuintes, inclusive daqueles
contribuintes que não podem pagar pela
medicina particular.
E as razões (jurídicas) do
veto subsistem. O Estado ou as organizações
sociais por ele credenciadas, não tem porque
fazer o atendimento público da saúde com
características particulares. Como foi dito
na mensagem do veto, já há duas leis que
permitem a cobrança dos planos pelo
ressarcimento do serviço feito de forma
pública.
A saúde é um dever do Estado,
que pode ser exercida por particulares. Esse
serviço público é universal, o que significa
que o Estado não pode distinguir entre pessoas
com plano de saúde e pessoas sem plano de
saúde. No máximo, o que pode e deve ser feito é
a cobrança contra o plano de saúde. Para que
isso ocorra já existem leis permissivas, como
disse a mensagem do veto, e até mesmo
princípios gerais de direito, afirmo eu.
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Porém, a institucionalização
do atendimento aos clientes dos planos
particulares, com reserva máxima de 25% das
vagas, nos serviços públicos ou sustentados com
os recursos públicos, cria uma anomalia que é a
incompatibilização e o conflito entre o público
e o privado, com as evidentes dificuldades de
controle.
O Estado pretende que as
organizações sociais, em determinados casos,
possam agir como se fossem hospitais
particulares, mesmo sabendo-se que algumas
delas operam em prédios públicos, com
servidores públicos e recursos públicos para o
seu custeio! Tudo isso para justificar a
meritória iniciativa de cobrar dos planos de
saúde pelos serviços públicos prestados aos
seus clientes? Porém, é difícil entender o que
seria público e o que seria privado em tal
cenário. E essa confusão, do público e do
privado, numa área em que os gastos chegam aos
bilhões, é especialmente perigosa, valendo a
pena lembrar que as organizações sociais não se
submetem à obrigatoriedade das licitações nas
suas aquisições.
Só para citar um exemplo, as
organizações sociais que contratassem com os
planos fariam uma verdadeira concorrência
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desleal com os hospitais autenticamente
privados, pois nestes os recursos são todos
particulares. Como que um hospital que não
recebe nada dos cofres públicos pode concorrer
em igualdade de condições com outro hospital,
gerido por uma organização social, que recebe
elevados valores dos cofres públicos?
Outro aspecto é que as
organizações sociais de saúde não podem ter fim
de lucro. É o que diz a lei. Porém, a atuação
delas no mesmo mercado dos hospitais
particulares levaria a uma inevitável atuação
empresarial no âmbito da saúde. Mais uma vez o
público e o privado ficariam unidos de uma
forma que aparentemente viola princípios
constitucionais como moralidade, legalidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência. A
própria isonomia seria seriamente ameaçada.
O dinheiro do plano interessa
às organizações sociais para a ampliação de
seus serviços, mas elas não podem servir ao
mesmo tempo a dois senhores (planos de saúde
e o Estado) com interesses tão opostos, ainda
que atuantes na mesma área (saúde). Dessa
forma, até empresas que hoje não são sociais
vão querer receber esse rótulo.
O paciente do SUS tem hoje
atendimento. Pode não ser o atendimento
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ideal, mas ele está ao seu dispor, sem
qualquer pagamento. O paciente dos planos de
saúde tem a sua rede credenciada, que não lhe
cobra porque isso já está embutido nas
mensalidades. Se ele precisar da rede
pública, poderá utilizá-la sem qualquer
pagamento, mas sem privilégios em relação a
quem não tem plano.
A criação de reserva de
vagas, no serviço público, para os pacientes
de planos de saúde, aparentemente, só
serviria para dar aos clientes dos planos a
única coisa que eles não têm nos serviços
públicos de saúde: distinção, privilégio,
prioridade, facilidade, conforto adicional,
mordomias ou outras coisas do gênero. Não é
preciso dizer que tudo isso é muito bom, mas
custa muito dinheiro. Quando o dinheiro é
particular, tudo bem. Mas quando se trata de
dinheiro público e com risco disso ser feito
em prejuízo de quem não tem como pagar por
tais serviços, aí o direito se considera
lesado em princípios como igualdade,
dignidade da pessoa humana, saúde, moralidade
pública, legalidade, impessoalidade e vários
outros.
O regulamento em questão
permite até mesmo que as organizações sociais
sejam contratadas para prestar atendimento
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médico, mediante pagamento, a uma pessoa
física, sem intermediação do plano de saúde.
Pois bem. Por que uma pessoa
com dinheiro e sem plano pagaria elevada soma
a uma organização social que gerencia um
hospital público para ter um atendimento
médico que a lei e seu regulamento dizem que
seria absolutamente igual ao que é feito no
mesmo lugar, gratuitamente, a que não tem
dinheiro? Isso não faz sentido!
Essas meras impressões
iniciais, já longas para uma decisão liminar,
são necessárias para que se entenda que não
há nenhuma urgência para o Estado em
implantar tamanha e perigosa mudança na saúde
pública. Não há urgência para as pessoas que
não podem pagar pelos planos, pois não se crê
que no curto tempo de tramitação que se
espera para a ação principal e seu recurso a
situação desses pacientes fique sensivelmente
pior do que já está. Não há urgência para os
pacientes que têm planos de saúde, pois estes
já têm seu atendimento diferenciado na rede
credenciada e igualmente estão sendo
atendidos gratuitamente pelo sistema público,
independente de qualquer proporção ou
reserva. Não há urgência para o Estado, pois
o presente recurso será julgado muito antes
que se possa fazer a primeira cobrança de
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qualquer plano de saúde.
A cautela com a Constituição
e as Leis, assim como o respeito aos
princípios fundamentais recomendam que seja
mantida a decisão recorrida, ao menos até que
se pronuncie a turma julgadora, o que não
deve tardar. Até que isso ocorra, nenhuma das
partes interessadas (organizações sociais,
Estado, pacientes com ou sem plano) será
prejudicada. O contrário é que poderia ser
perigoso. O perigo na demora estaria na
revogação da liminar concedida pelo juiz
Marcos de Lima Porta.
A decisão recorrida impediu a
pressa na produção de efeitos maiores de um
decreto que já tinha gerado a qualificação de
pelo menos duas organizações sociais para
contratação com planos de saúde e
particulares.
A pressa no caso presente pode
comprometer direitos sociais da maior
importância, assegurados pela Constituição,
como é o caso do atendimento médico às pessoas
mais necessitadas, assim entendidas aquelas que
não podem pagar por um plano de saúde.
E para prevenir tais graves
lesões de direito é que decido não conceder o
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duplo efeito requerido pelo Estado, em juízo
provisório.
O mérito do agravo e o mérito
da própria ação serão oportunamente julgados.
Até lá, muitos outros argumentos as partes
poderão apresentar, assim como os demais
julgadores desta 2ª Câmara de Direito Público
se pronunciarão com seus ricos conhecimentos
e vastas experiências. Até que isso ocorra
fica mantida a decisão recorrida, que está
bem fundamentada.
Desnecessárias as informações
do magistrado.
Intimem o Ministério Público
para que responda o quanto antes ao presente
recurso, pois a causa é urgente.
José Luiz Germano
Relator
São Paulo, 29 de setembro de 2011.
José Luiz Germano
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