Em primeiro lugar, o que são as Conferências de Saúde? As municipais, que
deveriam ser realizadas em todos os municípios do país; as estaduais, em todos
os estados; e a nacional. Todas acontecem a cada quatro anos, há aproximadamente
cinqüenta anos, com três segmentos: os profissionais de Saúde, os trabalhadores
de Saúde e a população, sendo os delegados eleitos paritariamente ao final de
cada Conferência, da municipal para a estadual e desta para a nacional.
Mas conferenciar sobre o quê? A cada Conferência que se segue, é cada vez
mais complicado e difícil o acesso e a divulgação; a cada Conferência faz-se uma
listagem imensa de reivindicações justas, que geralmente não são atendidas pelos
gestores ou pelos governos municipal, estadual e federal, gerando uma imensa
frustração a cada quatro anos, ou seja, o que se reivindicou virou de “cabeça
para baixo”. É o mal-estar causado pela Saúde que a população deseja, contra a
ganância dos lucros através da Doença.
Não vejo mais sentido sobre o que conferenciar, basta do diálogo unilateral e
ultrapassado de antigas e justas reivindicações que nunca acontecem, ou melhor,
acontecem justamente no sentido inverso: a privatização e extinção do Serviço
Público com as famigeradas OSS (Organizações Sociais(?) de Saúde), que nada mais
são do que empresas privadas.
Não vejo mais sentido sobre o que conferenciar quanto à crescente falta de
verbas para a Saúde, a Educação, a Cultura etc. etc., com a antiqüíssima
justificativa “não temos recursos”, porém, com o pagamento de mais de 50% do PIB
(aquilo que todo o país produz) para os banqueiros e multinacionais. Para isso,
nunca faltam recursos e o pagamento é feito sempre no prazo certo.
Conferenciar sobre o quê? A corrupção desenfreada na área da Saúde, o mar de
lama e esgoto, de desvios astronômicos, sem nenhuma punição? Como se fosse a
coisa mais normal do mundo desviar recursos da Saúde, sem a menor fiscalização?
Será isso por acaso? A população que reivindica atenção primária, secundária e
terciária nas Conferências continua sendo aviltada, massacrada, com o que resta
das instituições públicas, totalmente decadentes, “caindo aos pedaços”, além dos
salários indignos dos funcionários. A imensa corrupção não deixa chegar na
“ponta” (as Unidades de Saúde) o mínimo: gaze, esparadrapo, filme de
raio-x...
Como o mais votado delegado no setor Trabalhadores de Saúde na última
Conferência Municipal de Saúde de Niterói-RJ, fui eleito para a Conferência
Estadual, no momento em que o governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura
da cidade do Rio de Janeiro aprovaram leis que privatizam os serviços de Saúde,
o que vai desencadear uma cascata de leis de igual teor e terror nos demais
estados brasileiros, desembocando no Governo Federal. Mídias adestradas, câmaras
de vereadores e deputados obedientes só facilitam esse processo de adoecimento
das instituições e da população.
Conferenciar sobre o quê, se as administrações dos hospitais e Unidades de
Saúde serão privatizadas e terão “duas entradas, duas portas” – uma para quem
possui recursos, outra para o “povão”?
Não é preciso conferenciar para saber o que vai acontecer... Não é preciso
conferenciar para entender que o hospital público funcionando adequadamente
fecha qualquer instituição privada a sua volta. Portanto, para o modelo
capitalista-neoliberal, adoecer e “cancerizar” a instituição pública é
necessidade vital.
Chega de enganação, de ficar “ganhando tempo”. A minha posição pode parecer
radical, respeito as demais, mas não faz sentido ir a mais uma Conferência.
Nego-me a ir.
Conferenciar, dialogar com quem? Com aquele que necessita da doença, da
barbárie, da dor, da perversidade, do lucro, da ganância, pressupondo nossa
alienação, pressupondo nossa total ou parcial perda de consciência, em um país
onde há a mais alta taxa de juros do planeta, salários aviltantes, justiça
precaríssima, doenças crônicas e sócio-sanitárias em escalas assustadoras, falta
de informação, prevenção, medicamentos, equipamentos?
País campeão mundial em acidente vascular cerebral, em consumo de
agrotóxicos, mas que para as elites proporciona cada vez mais conforto,
recursos, boa educação, bons laboratórios, medicamentos, equipamentos... Um
outro mundo?
Chega de Conferências, queremos “pular a cerca”, derrubá-la, romper o arame
farpado que nos separa da Saúde. A minha forma de protestar pode não ser a da
maioria, que respeito, é assumir e resguardar as nossas Unidades de Saúde antes
que nos sejam tomadas definitivamente. Não é conferenciando com alguém
“invisível”, que nunca nos deu atenção, nem vai dar, e que só quer ganhar tempo
e nos desgastar, nos “adoecer”.
A nossa saúde clínica e social depende da posição que tomarmos. Vamos à luta.
O que perderemos? Poderemos perder se ficarmos paralisados. Aí, sim, estaremos
perdidos. Ir à luta nas ruas, nas unidades de saúde, repetindo o papel de mil
cidades no mundo, que protestaram e assumiram sua posição contra a opressão do
capitalismo selvagem que barbariza este planeta.
Não será conferenciando eternamente com o inimigo que se vai resolver a
questão. Ninguém quer adoecer, mas esse inimigo perverso e cruel precisa e quer
nos adoecer.
A população brasileira quer, ou melhor, exige que as unidades de saúde
públicas funcionem como devem, com bons serviços, voltadas para a justiça
social, para a democracia, excluindo os “chupadores de sangue”, gananciosos e
sedentos de lucros.
A população brasileira quer, ou melhor, exige que seja cumprido o primeiro
princípio do Direito: a vida. Vida é Saúde, Saúde é transformação social e as
transformações exigem sacrifícios.
Já conferenciamos demais. Agora, é hora das ações.
Daniel Chutorianscy é médico. |
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