terça-feira, 20 de setembro de 2011

Emenda Constitucional 29 e a nova CPMF disfarçada

Financiamento do SUS foi um dos grandes debates depois de sua criação. 


Por Arcênio Rodrigues da Silva
Valor Econômico

Estamos assistindo a um jogo de manobra entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto sobre quem assumirá a paternidade da recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), popularmente conhecida como imposto sobre o cheque, agora sob a nomenclatura de Contribuição Social para a Saúde (CSS), no bojo na regulamentação da Emenda Constitucional 29 (EC 29).



A necessidade de se instituir uma forma segura e consistente de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) foi um dos grandes debates depois de sua criação na Constituição Federal de 1988, cujo objetivo central era tornar o sistema acessível a todos aqueles que dele necessitam, com nível de qualidade aceitável.



A Constituição Federal de 1988, no artigo 198, parágrafo 3º determinou que, por meio de Lei Complementar, seriam definidos os percentuais que a União, os Estados e os municípios aplicariam na área da saúde, explicitando critérios de reavaliação, normas de fiscalização e controle a cada cinco anos.




Mesmo com recordes de arrecadação, a sociedade terá que suportar a Contribuição Social para a Saúde



Assim, no ano de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional 29, consolidando o Sistema Único de Saúde na sua redação, e fixou a vinculação dos recursos orçamentários que seriam destinados à saúde pelas três esferas de governo, incumbindo o Congresso Nacional de regulamentar a matéria de forma a assegurar que os recursos sejam, efetivamente, empregados no SUS, não sofrendo quaisquer desvios de finalidade.



Pelo texto aprovado, a EC 29 estipulou norma transitória determinando que a União deveria destinar para a saúde, no ano 2000, 5% a mais sobre o valor de 1999 e, nos anos seguintes, que esse valor fosse corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Por seu turno, os Estados seriam obrigados a destinar 12% do seu orçamento; e os municípios, 15%. Citada norma teria vigência até o exercício de 2004, momento que deveria ser promulgada a Lei Complementar regulando a matéria em definitivo.



Após quase uma década, a regulamentação da EC 29 voltou ao debate de forma contundente em dezembro de 2007, fruto da derrota da União em prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que até aquele momento possibilitava aos cofres públicos uma arrecadação anual superior a R$ 20 bilhões, cuja destinação, como sabemos, não era para a saúde.



Assim, sob o argumento que a regulamentação da EC 29 provoca novas despesas, a União praticamente exigiu que o Congresso Nacional aponte a fonte de receita, ou seja, a criação de uma fonte de arrecadação.



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A base aliada entendeu a mensagem e, devidamente orientada e com suas exigências pessoais atendidas, inseriu um artigo criando a Contribuição Social para a Saúde, com alíquota de 0,1%, isentando da tributação quem ganha até R$ 3.080,00, proporcionando uma arrecadação anual na ordem de R$ 10 bilhões a R$ 11 bilhões. A CSS será paga por toda a sociedade na movimentação financeira, recriando a CPMF com nova roupagem.



Mesmo com a elevadíssima carga tributária e os recordes de arrecadação, a sociedade terá que suportar a volta da CPMF sob a denominação de Contribuição Social para a Saúde.



Não discordamos que a área da saúde necessita de mais recursos financeiros, uma vez que, efetivamente, o Brasil é o país que menos investe per capita no sistema se comparado aos países em desenvolvimento. Entretanto, o argumento de que a União não possui os recursos financeiros necessários para o financiamento da saúde, conforme determina a emenda 29, não encontra respaldo na arrecadação federal.



Dados da Receita Federal do Brasil demonstram que após pequeno recuo em 2009, por conta da crise financeira, a arrecadação federal - que inclui impostos, contribuições federais e demais receitas, como os royalties - somou R$ 805 bilhões em 2010, o que representa um aumento real (descontada a inflação) de 9,85% em relação ao ano anterior.



Com isso, a arrecadação foi a maior da história, uma vez que o recorde anterior, para um ano fechado, havia sido registrado em 2008 (R$ 774 bilhões - valores já corrigidos pelo IPCA) e sem a arrecadação da CPMF. De acordo com dados demonstrados pelo fisco, a arrecadação bateu recorde histórico em quase todos os meses do ano passado (entre janeiro e outubro e, depois, em dezembro de 2010).



De 2002 para 2003, a arrecadação caiu 1,85% em termos reais, mas em 2004 houve crescimento de 10,6%; de 5,65% em 2005; 4,48% em 2006; 11,09% em 2007; e de 7,68% em 2008. Em 2009, a arrecadação recuou 3% por conta dos efeitos da crise financeira internacional.



E no ano de 2010, em termos nominais, a arrecadação cresceu R$ 107 bilhões, ou seja, sem a correção pela inflação, em comparação ao ano anterior, impulsionada pelo crescimento da economia brasileira.



O painel instalado em São Paulo pela Associação Comercial, batizado de "Impostômetro", apontou que a arrecadação tributária já alcançou R$ 1 trilhão na primeira semana de setembro, sendo que em 2010 a marca foi alcançada no final do mês de outubro.



Pressionados pela sociedade, deputados da base governista sinalizaram a retirada do artigo que recriaria a CPMF, sob a denominação da CSS, na votação agendada para o mês de setembro, levando a discussão para 2012.



À sociedade resta continuar a pressão sobre os parlamentares para que sepulte de forma definitiva a CPMF e assumam a responsabilidade de promover amplo debate na construção de um projeto de reforma tributária para o país.



Arcênio Rodrigues da Silva é advogado tributarista

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