sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Paciente com câncer é quem mais vai à Justiça contra planos

Fonte: Folha de São Paulo


Doença motiva 36% dos processos no Estado de SP por negativa de cobertura em tratamento, aponta pesquisa
Procedimentos como quimioterapia estão entre os mais negados; operadoras dizem que cumprem as normas


TALITA BEDINELLI
DE SÃO PAULO

A comerciante Márcia Rasmussen Ramos, 59, pagou por mais de dez anos seu plano da SulAmérica sem utilizá-lo.
Até que em 2007, detectou um câncer no seio e ouviu da empresa que a radioterapia prescrita pelo médico não seria paga, pois não estava no rol de coberturas obrigatórias da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Ela teve que recorrer à Justiça e, de posse de uma liminar, garantiu o tratamento.
Um levantamento do pesquisador Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da USP, mostra que o que aconteceu com Márcia não é incomum.
Pacientes com câncer, normalmente submetidos a tratamentos mais caros, são os que mais movem ações judiciais contra as operadoras de saúde no Estado de SP.
Ele analisou 782 ações relacionadas à negativa de cobertura julgadas em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de SP em 2009 e 2010.
Das 596 que identificavam a doença excluída, 218 (36%) eram relativas a câncer.
Doenças do aparelho circulatório, maior causa de óbito, apareceram com 19,46%.
Quimioterapia e radioterapia são o grupo de procedimentos mais negado, seguido das cirurgias (incluindo todas as outras doenças).
São casos como o de uma mulher que teve as sessões de quimioterapia interrompidas antes de o tratamento acabar, para que o plano avaliasse se estavam "surtindo efeito".
A conduta foi considerada abusiva pela Justiça, que deu ganho de causa à usuária.


JUSTIÇA FAVORÁVEL
A mesma decisão foi tomada em 88% dos acórdãos analisados por Scheffer. Para ele, que já fez pesquisa similar no passado, as decisões na Justiça favoráveis ao usuário parecem estar aumentando.
Mesmo nos casos de procedimentos que não constam do rol da ANS. Em muitos acórdãos, os desembargadores argumentam que cabe ao médico, e não à seguradora, eleger tratamento adequado.
Para o advogado especialista em saúde Julius Conforti, as operadoras contam "com a inércia e a ignorância do consumidor". Negam a cobertura na esperança de que muitos pacientes paguem do próprio bolso o tratamento.
Muitos também acabam recorrendo ao SUS (Sistema Único de Saúde). No Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), 25% dos pacientes que recebem atendimento têm planos de saúde, de acordo com o governo de São Paulo.
OUTRO LADO
Operadoras dizem seguir regras vigentes
DE SÃO PAULO
A Federação Nacional de Saúde Suplementar disse que os procedimentos previstos em contrato são autorizados.
A SulAmérica reiterou que o procedimento de Márcia Rasmussen Ramos não está no rol da ANS -assim como o Bradesco, disse que não comentaria a pesquisa por não conhecê-la. Amil e Medial disseram que a análise é feita seguindo normas vigentes. A Unimed não respondeu.

ANÁLISE
Operadoras não podem decidir qual tratamento o paciente terá
RENATA VILHENA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A lei 9.656/98 está em vigor há mais de dez anos e, assim como a ANS, não foi capaz de diminuir a litigiosidade. Consumidores continuam insatisfeitos e buscam a Justiça.
O câncer é a doença mais cara e, por isso, está no topo da lista de reclamações. A recusa em cobrir a quimioterapia via oral está entre os principais problemas dos pacientes, além da radioterapia IMRT, técnica nova, que não faz parte do rol da ANS.
Desde a entrada em vigor da lei, os planos de saúde têm que cobrir todas as doenças previstas no Código Internacional de Doenças e não podem limitar o tipo de tratamento dado ao paciente.
Quem decide quais as drogas usadas na quimioterapia são os oncologistas, assim como a responsabilidade pela escolha da prótese é do ortopedista. Jamais estas tarefas podem ser da operadora.
Por estas razões -e por entender que a saúde é um bem maior, cuja defesa não se confunde com a da propriedade ou de outros bens de consumo, posto que os danos são irreversíveis-, o Tribunal de Justiça de São Paulo têm repelido a abusividade cometida pelas empresas de planos de saúde, prevalecendo assim o respeito ao principio da dignidade da pessoa.
RENATA VILHENA SILVA é advogada especialista em saúde


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