sexta-feira, 1 de abril de 2011

Sob a inspiração de Higeia

Livro lançado pela Faculdade de Saúde Pública mostra a trajetória dessa unidade quase secular e de seus ilustres professores, como o sanitarista Geraldo de Paula Souza

Izabel Leão

O Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP deu início a suas atividades, no dia 21 de março, em alto estilo. Na ocasião, a aula inaugural do programa foi proferida pelo secretário de Estado da Saúde, professor Giovanni Guido Cerri, ex-diretor da Faculdade de Medicina da USP (leia o texto abaixo). Além da aula de Cerri, o evento contou também com o lançamento do livro A Casa de Higeia. A obra relata a história da Faculdade de Saúde Pública e da saúde pública no Brasil por meio da consulta a documentos históricos e também de entrevistas com personalidades que colaboraram para a construção dessa história.
Hygeia é um nome de origem grega e personifica a deusa da saúde, limpeza e saneamento, filha do deus da medicina, Asclépio. Enquanto seu pai está mais diretamente associado com a cura, ela está voltada para a prevenção da doença e a continuação da boa saúde. Seu nome dá origem à palavra “higiene” e é usada como símbolo da Faculdade de Saúde Pública.
Dinamismo – A FSP se aproxima do seu centenário e vive momentos de plena transformação, não só física como estrutural e curricular. Dinâmica, acaba de criar o curso de graduação em Saúde Pública.
A primeira sede do Instituto de Hygiene e Saúde Pública, como era chamada a Faculdade de Saúde Pública no início, em 1918, localizava-se na rua Brigadeiro Tobias, ao lado da Faculdade de Medicina. Foi em 1931 que o prédio atual ficou pronto, sendo construído com apoio da Fundação Rockefeller. Em 2010 terminou o trabalho de restauro que durou três anos, destacando detalhes antes encobertos pela fuligem e poluição.
Hoje a faculdade é tombada pelo Condephaat, que no restauro exigiu a manutenção da linha neogótica. Com pé direito alto, salas amplas e piso de ladrilho hidráulico, em suas instalações passaram Geraldo de Paula Souza e Francisco Borges Vieira, higienistas como Arthur Neiva, responsáveis pelas campanhas épicas contra as epidemias que assolaram São Paulo nas primeiras décadas do século 20.
O historiador Jayme Bremer, que coordenou o livro, destaca que a história da FSP conta quase cem anos de gerações de sanitaristas em todas as especialidades, como nutrição, engenharia sanitária ou administração hospitalar, que saíram das suas salas de aula. “Secretários municipais e estaduais da Saúde e pessoas como a pediatra Zilda Arns, líder da Pastoral da Criança, morta em 2009, em um terremoto, no Haiti, quando colaborava com a saúde pública, também passaram por aqui.”
Reconhecida como polo gerador de políticas de saúde pública para São Paulo, com repercussão nacional, é também centro formador de profissionais para todo o País e também para o exterior.
Um dos mais importantes foi Geraldo Horácio de Paula Souza, que assumiu o comando do Instituto de Hygiene em 1921, trilhando uma trajetória independente em relação à faculdade, à medicina e aos médicos. O sanitarista nasceu em Itu e seu pai Antonio Francisco de Paula Souza foi um dos fundadores da Escola Politécnica. Ao retornar ao País, Souza encontrou São Paulo assolada por uma epidemia de tifo. Em suas pesquisas, descobriu que a maioria da população infectada vivia próxima aos rios Tietê e Tamanduateí e usava suas águas sem nenhum tratamento. Bremer conta que o sanitarista conseguiu convencer as autoridades a instituir, pela primeira vez no País, a cloração das águas. “E assim o surto de tifo foi controlado”, ressalta.

Sessão solene de instalação da Faculdade, em 1945

Paula Souza e seu braço direito, Borges Vieira, eram homens de grande visão e acreditavam que a saúde pública melhoraria muito se a população tomasse consciência da situação sanitária no País. Com isso, foi decidido que, enquanto os parentes eram atendidos, os acompanhantes que aguardavam na sala de espera recebiam noções de higiene infantil, lactação e cozinha dietética. “Os dois sanitaristas guiavam-se pela defesa de uma ciência neutra, na tradição positivista (estado forte e modernizado), capaz de orientar a sociedade de forma racional, tirando o atraso por meio da educação. Também deram grande importância à comunicação popular, criando campanhas de saúde pública. Participaram de programas populares de rádio, falando sobre doenças sexualmente transmissíveis, incentivando o consumo de alguns alimentos etc.”
Foi a partir de um decreto, instituído por Adhemar de Barros, em 1938, que a Escola de Saúde Pública passou a se integrar à Faculdade de Medicina.
Curiosidades – Foi o sanitarista Paula Souza, com o chinês Szeming Sze, que propôs a fundação de uma entidade global destinada à promoção da saúde, quando este foi convidado a chefiar a área de Controle Epidêmico do United Nations Relief and Rehabilitation Administrations. Daí a origem da Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual Paula Souza foi vice-presidente até sua morte, em 1951.
A Fundação Kellogg, foi grande incentivadora e apoiadora, no Brasil, do Instituto de Nutrição Médica e da Faculdade de Saúde Pública, concedendo bolsas de estudo que formaram os primeiros especialistas em administração hospitalar.
Em 1939, começou a funcionar a primeira graduação em Nutrição do País. Ainda na Escola de Saúde Pública, o Centro de Estudos sobre Alimentação se articulou com o Sesi, que tinha a função de oferecer alimentação, atendimento médico-hospitalar e educação sanitária à classe operária.

Paula Souza no Oriente: marco para a Saúde Pública no Brasil

O curso de pós-graduação em Higiene e Saúde Pública foi criado em 1948, para engenheiros no Brasil, tornando-se o maior formador de engenheiros sanitaristas do País.

Fluoração da água – O coordenador do livro conta que diversas políticas públicas de importância nos anos 1950 e 1960 tiveram origem em pesquisas desenvolvidas dentro da FSP. Dentre elas, a de fluoração da água. O estudo revelou que, em 1940, 92% dos estudantes de escolas públicas paulistas tinham cáries. Pesquisando 334 cidades do Estado e 12 reservatórios de água, o professor Yaro Gandra concluiu que o nível de flúor nas águas consumidas no Estado era reduzido. Isso levou a Comissão Estadual do Flúor, em 1952, a decidir adicionar flúor às águas, além de fornecê-lo aos estudantes.
A FSP também sempre esteve à frente das pesquisas para o combate à tuberculose. Em 1968 a faculdade foi escolhida para sediar, em São Paulo, a realização de cursos de leitura do exame de identificação da doença e da administração da vacina BCG. Nos anos 60 esteve à frente da implantação do tratamento de curta duração da tuberculose.
A Coleção Entomológica de Referência da faculdade conta com o maior acervo da América Latina, com início em 1937. Trabalhos pioneiros conduziram à elaboração do modelo epidemiológico de transmissão da leishmaniose tegumentar. Pesquisas sobre a transmissão da malária contribuíram para o combate da endemia nos Estados de São Paulo e do Amapá.
Obras clássicas de grande importância científica, como Epidemiologia Médica, Epidemiologia Geral e Culicidologia Médica, esta última vencedora do prêmio Jabuti de 1997, saíram da FSP.
A Cetesb se tornou um dos centros de referência da ONU para questões ambientais graças aos cursos e pesquisas feitos pelo Departamento de Saúde Ambiental, que se tornou a célula-mãe da atual Cetesb do Estado.
Em 1987, professores da Saúde Pública e da Faculdade de Direito criaram um grupo de trabalho em Direito Sanitário que, no ano seguinte, transformou-se no Centro de Pesquisas em Direito Sanitário (Cepedisa). Pioneiro na área no Brasil, o centro apoiou iniciativas arrojadas, como o primeiro inquérito civil desenvolvido pelo Ministério Público Federal sobre a aplicação de verbas destinadas à saúde.
Segundo a diretora Helena Ribeiro, a FSP avançou em diversas áreas específicas e hoje é, principalmente, um centro de pós-graduação, com destaque cada vez maior em áreas de excelência. “Estamos rediscutindo a estrutura departamental para identificarmos vantagens competitivas, para darmos ênfase a projetos temáticos, interdisciplinares e que envolvam técnicos, alunos e funcionários”, observa.
O comitê editorial do livro foi composto pelos professores Chester Luiz Galvão Cesar, diretor da FSP na gestão 2006-2010, Helena Ribeiro, diretora da unidade, Angela Maria Belloni Cuenca, diretora da Biblioteca da FSP, e Maria da Penha da Costa Vasconcellos, coordenadora do Centro de Memória da faculdade.

A saúde no Estado

Na aula inaugural que proferiu no dia 21 de março, na Faculdade de Saúde Pública da USP, o secretário de Estado da Saúde, professor Giovanni Guido Cerri, mostrou um panorama da situação da saúde no Estado, bem como as prioridades a serem encaradas durante o governo de Geraldo Alckmin, iniciado em janeiro de 2011. Também estiveram presentes na abertura do evento o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, professor Vahan Agopyan, e a diretora da FSP, Helena Ribeiro.
O secretário pontuou como prioridade a participação das universidades paulistas nos projetos da Secretaria Estadual de Saúde. “É fundamental contarmos com a ajuda da expertise da FSP no que tange aos desafios que temos a enfrentar nas questões da saúde, principalmente na concentração da população na periferia das grandes cidades, que se encontram em precárias condições de saúde e saneamento”, destacou.
Cerri exibiu dados positivos sobre a mortalidade infantil no Estado – cuja redução se deu de maneira ainda mais veloz do que a registrada no restante do País. “Podemos afirmar que estamos muito à frente dos outros Estados. No entanto, temos bastante o que fazer para atingir um nível satisfatório”, observou.
Novidades – O secretário anunciou que o Instituto Butantan, entidade pertencente ao governo estadual e associada à USP, desenvolveu um novo lote de produção da vacina da gripe, que permitirá a vacinação de 3 milhões de idosos. “Em breve nos tornaremos independentes da importação”, relatou.
Outra novidade apresentada por Cerri diz respeito à fábrica de hemoderivados, que atualmente produz medicamentos de baixa complexidade e passará, em dois anos, também a fabricar próteses e órteses (qualquer aparelho externo para imobilizar ou auxiliar os movimentos dos membros ou da coluna vertebral).
Guido Cerri finalizou a aula apresentando as três metas prioritárias da Secretaria Estadual de Saúde: regionalização, informatização e humanização. “Com a regionalização vamos precisar de um profissional gestor da saúde; com as melhorias na informatização vamos implementar o cartão de saúde unificado; e com a terceira meta pretendemos qualificar o profissional da saúde para que tenha consciência de um tratamento mais humanizado e de qualidade”, concluiu.

(Jornal da USP de 28 de março a 3 de abril de 2011)

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