sexta-feira, 8 de abril de 2011

Realengo, 07 de abril de 2011

Dia Mundial da Saúde, acabávamos de publicar o Boletim Notícias APSP com editorial sobre o SUS e suas escolhas para o presente e o futuro, quando irrompe pela internet a notícia da morte de jovens em escola do bairro de Realengo, Rio de Janeiro.  A violência urbana fazia mais 13 vítimas fatais.  Treze? Não foram 12 crianças mortas?  E o rapaz que as matou, vítima também, não é?  Histórico de sofrimento mental na família natural, perdas sucessivas na família adotiva, desinserção do mundo do trabalho, isolamento social interpretado pela vizinhança como bom mocismo!  Governantes aparecem e, rápida e levianamente, estigmatizam o moço: psicopata, assassino! E o sistema de saúde e proteção social, onde estava?  Como não percebemos, nós e a ‘comunidade’, o potencial de violência que se desenvolvia ali ao lado, na casa e na vida de Wellington?  Olhem bem a foto estampada no MSN hoje pela manhã.  Vizinhos, agora mobilizados, querendo linchar o já morto moço que havia matado 12 crianças. Veja um outro moço de bermuda branca, dedo em riste prometendo vingança e... mais violência (seria mais um Wellington?). O que oferecemos a essas pessoas, Wellington inclusive, senão o miserável espetáculo de um cotidiano de descompromisso, esgarçamento de redes sociais de suporte à família e à convivência social que promove saúde e proteção à vida das pessoas?   Alguém de nós do SUS visitou a casa de Wellington?  Suponhamos que houvesse um PSF na região de Sepetiba, onde morava Wellington.  Teríamos agido em suporte a seu sofrimento? Não!  Não porque nossas tecnologias não dão conta dessas coisas, não dão conta da violência urbana e sua gênese, não percebem o esgarce da família como rede de proteção e acolhida de todos nós.  Se nos procuram, medicalizamos!  Mas não nos afetamos! E sem afeto, fabricaremos mais Wellingtons que depois condenaremos como monstros e, se der, ainda esquartejaremos o corpo já morto para vingarmos outros já mortos!  É, se nós - assim mesmo na primeira pessoa do plural - não nos incluirmos e sofrermos juntos esses episódios, bons caminhos não trilharemos no SUS.  Mais dinheiro e mais gente para fazer mais do mesmo não tornarão nossa vida mais segura e saudável.  Não cumpriremos nossa parte!  Não faremos um SUS melhor!
Diretoria e Conselho Deliberativo da APSP
   
Foto: Reuters

4 comentários:

  1. Há uma informação de qualidade muito ruim sendo veiculada. Achei muito boa a matéria...recolocando em perspectiva esse contexto social, tão comprometido, e a responsabilidade do setor saúde e da sociedade em geral de tomar atenção ao que estamos produzindo. Parece que hoje o NYTimes fez materia apontando que esse tipo de evento não é próprio da nossa cultura....será que veio pra ficar?

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  2. Crescimento econômico e desenvolvimento nas proporções desiguais. Urbanização intensa sem processo civilizatório no mesmo compasso histórico. Décadas de primazia do interesse de alguns poucos em detrimento do interesse público. A saúde como objeto de troca via assistência e não um direito via cuidado. Somos uma sociedade em transformação veloz, tomara peguemos as encruzilhadas certas nessa estrada... e avancemos pra não ficar onde hoje estamos!

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  3. Excelente a nota. Divulguei entre meus amigos e colegas da Assistência Social e no curso de Pós em Gestão Pública da Assistência Social (UNIBAN) entre meus colegas de turma. Estamos anlisando a gestão do SUAS, as proteções frente a riscos e vulnerabilidades. Como resgatar o direito violado, a dignidade e cidadania dos nossos Wellingtons...Qual é o nosso papel enquanto cidadãos e agentes de políticas públicas, a nossa força e qual o nosso olhar?

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  4. Caros colegas da APSP,
    Quero parabenizar e compartilhar com vcs as
    reflexões a respeito da desgraça do Realengo. Ontem, ao ficar sabendo
    do fato, quase à mesma hora em que ele ocorria, e pelo dia todo, não
    me saía da cabeça a figura do agressor e do sofrimento que o levou a
    cometer esta atrocidade.
    Nada mais pode justificar este comportamento tão desumano quanto o
    sofrimento num nível insuportável, durante o tempo que decorreu entre
    a concepção deste crime e a sua materialização.
    Também fiquei revoltadíssima quando as "autoridades" se referiram a
    ele como "animal" e outras coisas, esquecendo-se de que os animais não
    cometem este tipo de crime. Compartilho com vcs a preocupação de onde
    estava o sistema de saúde que não detectou nem ofereceu assistência a
    este jovem e sua família. Vi o depoimento do irmão e me emocionei
    quando ele referiu que o pobre Wellington era taciturno e de poucas
    palavras, vivendo sempre sozinho e isolado de todos. Ele não tinha
    amigos e amigos são portos seguros na hora do sofrimento. Ele
    afastou-se da família e ninguém nesse mundão de Nosso Senhor conseguiu
    fazer alguma coisa que pudesse ajudá-lo a enfrentar seus fantasmas sem
    ser matando e destruindo.
    Enfim, me alonguei mas na mídia não há qualquer manifestação a
    respeito dessa visão, quando aparece, o tema é tocado de maneira torpe
    e mal ajambrada. Parabenizo a APSP pelo editorial e pela emoção e
    posicionamento nele contidos. Espero que esta reflexão continue e se
    espraie até transformar-se em um item efetivo de política pública
    voltado para o enfrentamento da violência, inclusive contra as
    mulheres, onde o inimigo às vezes dorme na mesma cama. Mais que no
    papel, concepções como esta devem estar nas nossas cabeças.
    Abraços a todos.
    Rosa Godoy

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